segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Condenado por morte descrita em romance


Numa cidadezinha polonesa, um corpo é pescado de um rio, com sinais de uma morte sórdida mãos ao redor do pescoço, atadas a uma forca. A policia identifica Darius Janiszewski, o dono de uma pequena agência de publicidade, que não tinha dívidas ou inimigos. A descrição detalhada deste homicídio, no romance policial “Amok” (O Arrebatamento, em português), terminou em um posfácio inesperado: a prisão do autor, Krystian Bala, condenado ontem a 25 anos pelo crime que inspirou a obra.A principal peça da acusação é o romance policial, publicado em 2003, três anos após o assassinato.

O investigador Jacek Wroblewski garante que a narrativa tem informações minuciosas, conhecidas apenas pela polícia — ou pelo assassino. Wroblewski reabriu o inquérito em 2005, quando leu “Amok” por sugestão de uma fonte anônima. As investigações revelaram detalhes que ligam Bala ao homicídio.Joaquim Nogueira, ex-delegado e autor de “Informações sobre a vítima” (Cia das Letras, 2001), disse à Folha que acha perfeitamente verossímil que alguém use elementos de um crime que cometeu ao escrever uma obra literária, mas nunca se deparou com um caso semelhante no trabalho.Rio onde foi encontrado o corpo Não poderia Bala, como conta, ter montado o quebra-cabeça do assassinato a partir de notícias dos jornais e imaginado as partes que faltavam? “E óbvio que ele diria isso”, comenta Nogueira. Mas pondera “O processo criativo é um caldo de cultura que envolve muitas experiências, leituras, notícias, filmes”. Impossível saber.O fato – e todo o resto é literatura – é que Krystian Bala, 34, foi condenado em primeira instância pela morte de Janiszewski. A policia reuniu contra ele uma série de indícios, considerados pela defesa meramente circunstanciais. Pouco após o assassinato, o escritor vendeu um celular do mesmo modelo usado pela vítima, O aparelho, que estaria com o empresário no dia do crime, jamais foi encontrado.Bala estava mergulhando no sul da Ásia quando a polícia recebeu e-mails “suspeitos” originados em cibercafés do continente. As mensagens, enviadas após a exibição do caso em um programa de TV semelhante ao brasileiro “Linha Direta”, falavam em “crime perfeito"

As habilidades de exímio mergulhador também foram usadas contra Bala. Para a polícia, as longas pausas feitas antes de cada resposta quando ele se submeteu a um detector de mentiras seriam uma técnica de respiração aprendida com o mergulho, usada para mascarar os sinais físicos da mentira.Segundo o depoimento da ex-mulher, o escritor tinha uma personalidade “obsessiva” e controlava suas amizades mesmo após a separação. Ela conhecia a vítima, o que levantou a hipótese de um crime passional.O tribunal considerou as provas insuficientes para provar que a própria Bala tenha cometido o homicídio, mas julgou haver indícios bastantes para a condenação por autoria intelectual. A família disse que ele vai recorrer. Qualquer que seja o resultado da apelação, o enigma literário persistirá.

Fonte: Folha de S. Paulo.

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